No último dia 2 de março de 2013, um duplo
homicídio ocorrido no interior do Estado chocou os paraenses. O
madeireiro Luciano Capacio, 32, e o advogado Jorge Guilherme de Araújo
Pimentel, 53, foram assassinados covardemente por tiros de pistola
quando jantavam num restaurante no centro de Tomé-Açu, nordeste do Pará.
O caso teve ampla repercussão local e nacional. De acordo com o
inquérito policial, Carlos Vinícius de Melo Vieira, prefeito de
Tomé-Açu, e seu pai, Carlos Antônio Vieira, seriam os supostos mandantes
do assassinato. Os acusados tiveram decretada a prisão preventiva no
dia 6 de abril, mas se encontram foragidos.
Pelo que foi apurado pela polícia, podem
ser duas as motivações do crime: a primeira seria política, já que
Capacio teria o firme propósito de se candidatar a prefeito de Tomé-Açu
com apoio de Jorge Guilherme, que militava no PSDB. A outra motivação
seria de ordem econômica: Luciano teria denunciado irregularidades
ambientais cometidas pela empresa de construção de Carlos Vieira,
gerando uma multa de R$ 23 mil.
A polícia prendeu três suspeitos de
envolvimento no crime. Dois deles, de 27 e 37 anos, são apontados como
os executores do crime. Segundo a polícia, o mais velho seria pistoleiro
profissional suspeito de matar outras seis pessoas com atuação em
Paragominas, sudeste paraense, onde possui mandado de prisão preventiva.
O mais novo é suspeito de outro
homicídio em Tomé-Açu, crime ocorrido em 2008 durante uma briga de
trânsito. Após seu carro colidir com outro veículo, o suspeito travou
uma discussão com o outro condutor e atirou contra ele. Ele fugiu da
cidade e teve mandado de prisão expedido pela Justiça. O terceiro preso
foi apontado como o homem que deu apoio à fuga dos pistoleiros. Todos
estão presos no PEM 3. Além do prefeito e de seu pai, ainda estão
foragidos o intermediário do crime e um terceiro pistoleiro, segundo a
polícia.
Pela primeira vez desde o ocorrido, a
defesa do prefeito decidiu dar sua versão dos fatos e afirma que o
Superior Tribunal de Justiça (STJ) está na iminência de analisar o
habeas corpus, que poderá revogar a ordem de prisão de Carlos Vinícius. A
defesa do prefeito aponta ilegalidades na condução do processo, a
começar pela investigação policial.
Na condição de prefeito, segundo a
defesa, Carlos Vinícius não poderia ter sido investigado sem autorização
da segunda instância do Tribunal de Justiça do Pará. “O prefeito tem
direito a foro privilegiado e, ao não ter tal condição respeitada,
tornam-se nulas todas as provas colhidas. A motivação do crime também é
colocada em xeque por falta de provas reais”, disse ao DIÁRIO o
criminalista Antônio Nabor Bulhões, que entrou com pedido de habeas
corpus junto ao STJ. Ele diz que a investigação foi dirigida contra o
prefeito e seu pai, “em ambiente claramente político”.
A ilegalidade na investigação, segundo
ele, começa pela violação à Constituição. “Pai e filho são inocentes.
Estou confiante na decisão do STJ. Não podem ser presos por um crime que
não cometeram”. O inquérito da Polícia Civil aponta que o crime seria
represália pelo rompimento político entre o prefeito e Luciano Capacio,
uma vez que o empresário teria se aliado ao grupo político do
ex-prefeito Francisco Eudes, sob a promessa de que seria o próximo
candidato à prefeitura de Tomé-Açu.
“Carlos Vinícius não teria motivo para
entrar em disputas políticas, considerando que foi reeleito com a
maioria de votos. No ano passado, 61,96% dos eleitores o escolheram para
comandar a cidade, em detrimento do candidato do PSDB. Vinícius tem
sido apontado como liderança política emergente no Estado”, aponta
Bulhões.
A OAB do Pará ingressou no processo
exercendo papel acusatório, o que na avaliação da defesa do prefeito é
inusitado e incompatível com a natureza de suas funções. “A missão da
OAB é zelar pelo estado democrático de direito e pela defesa da
Constituição. Essa atitude indica um nítido viés político permeando o
caso”.
Defesa vê motivações políticas na investigação policial
A defesa do prefeito lembra que o
empresário assassinado já foi apontado como mandante em pelo menos dois
assassinatos, um deles ocorrido em 2012, por questões fundiárias. A
vítima foi o ruralista Cesar Busnello. Para a defesa do prefeito, são
fortes os sinais de injunções políticas sobre a conduta e as conclusões
da Polícia Civil, “que não apurou essa situação e teria escolhido como
testemunhas e informantes pessoas ligadas aos grupos rivais, derrotados
nas eleições”.
Bulhões afirma que desde o início das
investigações haviam fatos importantes que, se bem investigados,
poderiam levar à elucidação do crime, sem que se pudesse cogitar de
qualquer envolvimento do prefeito ou do seu pai com os eventos
delituosos.
O advogado questiona o fato de as
investigações terem sido conduzidas e concluídas sem que o prefeito e
seu pai tenham sido intimados e convidados a prestar esclarecimentos,
“mas sumariamente julgados e tratados pela Polícia Civil como únicos
suspeitos no comando dos crimes”. Esse é o argumento que sustenta o
pedido de habeas corpus, aspecto que, na opinião do advogado, “contamina
e coloca em xeque todo o processo”.
A defesa aponta uma “sucessão de erros e
distorções, que culminaram na manipulação do processo e o decorrente
pedido de prisão preventiva”. Nabor contesta todos os procedimentos da
polícia e sustenta que o caso foi conduzido ao arrepio da lei,
colecionando irregularidades e ilegalidades. “Fiquei espantado com o que
está acontecendo e trabalhamos para reverter os danos causados por
todos esses erros”, afirma.
O advogado também destaca a fragilidade
dos indícios apontados pela polícia, cujas provas não foram
apresentadas, e denuncia o aproveitamento de documentos falsos nos autos
do processo. “As investigações ignoraram a situação do empresário
Luciano Capacio, que vinha sendo objeto de ameaças em decorrência de
seus negócios”, garante o defensor do prefeito.Uma outra vertente
vincula a outra vítima de homicídio, o advogado Jorge Pimentel, a uma
profunda desavença com um dos acusados de autoria material do crime, que
segundo uma testemunha, teria razões para eventualmente matar o
advogado. “Essa vertente investigatória foi absolutamente ignorada.
Estou citando uma entre várias vertentes importantes de investigação que
foram ignoradas”.
Madeireiro lutava contra prefeito após ser multado
Entre os mitos fartamente divulgados
como justificativa para o duplo homicídio estariam, segundo a defesa, o
fato do empresário Luciano Capaccio e seu advogado Jorge Pimentel terem
denunciado empreendimentos do pai do prefeito e essa denúncia originado
uma multa de R$ 23 mil. “A polícia se baseia em arquivo digital sem
assinatura e não protocolado nos órgãos competentes. A multa existiu,
mas não para o pai do prefeito e sim para uma área de propriedade de
Luciano, que teria feito um desmatamento ilegal. A área estaria em nome
de um laranja”, diz Bulhões.
Ele diz ainda que a acusação aponta que,
além de sofrer a fiscalização em suas terras, Capacio lutava contra a
atual prefeito porque a Secretaria Municipal de Meio Ambiente de
Tomé-Açu estaria cobrando uma suposta e descabida “taxa de controle
ambiental” para liberação de alvarás. A documentação só seria liberada
aos amigos do prefeito. “Nunca existiu qualquer denúncia feita pelas
vítimas em relação à secretaria de Tomé -Açu. A polícia tirou conclusões
à margem dos elementos de prova coligidos aos autos”, garante o
advogado.
A defesa também contesta uma suposta
“lista de execuções” com os nomes de oito pessoas supostamente marcadas
para morrer, que teria sido extraída de CPU recolhida na casa do
prefeito. “Essa lista não existe. Foi recolhida a CPU de captura de
imagens do sistema de câmeras de vigilância residencial (CFTV) da casa
do prefeito. A suposta prova não foi juntada nem ao inquérito policial,
nem ao processo judicial criminal simplesmente em razão de não existir”,
assegura.
Por fim, as investigações apontam que o
prefeito teria uma relação amorosa com a esposa da vitima (Capacio).
”Essa é mais uma inverdade, já que nunca foi apresentado qualquer
indicio que justificasse tal relacionamento”.Ouvido pelo DIÁRIO, o
delegado Sílvio Maués, diretor de Polícia do Interior, não entrou no
mérito das acusações da defesa do prefeito de Tomé-Açu no que se refere a
ilegalidades na condução do processo. Ele confirmou que a polícia teve
sim autorização do Tribunal de Justiça do Estado para investigar Carlos
Vinicius Vieira. “Como fazer uma investigação dessa sem respaldo
judicial?”, indaga.
Ele esclarece que a Polícia Civil do
Pará não investiga grupos políticos e sim homicídios. Nesse caso um
duplo homicídio. “A polícia instaurou o inquérito, investigou e
identificou os mandantes, intermediários e executores. E como o prefeito
poderia ser ouvido se está foragido desde o crime?”, indaga novamente.
Maués assegura que toda a investigação
foi feita dentro da legalidade. “Prova disso é que o Ministério Público
denunciou cada um dos envolvidos no crime, provando que a condução da
investigação foi pautada na legalidade. Cada um fala o que quer e lógico
que a defesa vai desacreditar nosso trabalho. Mas existe o fórum
adequado para que todas essas colocações sejam feitas, que é o juízo”
Diário do Pará
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