Em Portugal demasiadas vezes se constroem imbróglios jurídicos para
tentar subverter decisões e escolhas políticas. Aprovam-se leis mal
construídas que esvaziam o seu próprio significado político. Ao invés da
clareza do debate e da decisão política, constroem-se leis cujas
fronteiras podem dar a possibilidade de que as próprias leis não se
possam cumprir. Foi também assim com a Lei da Limitação de Mandatos.
Construiu-se um consenso no parlamento e na sociedade em torno da ideia
de que o exercício de cargos públicos deve ter um limite, deve ser
rotativo, coletivo e partilhado. Ou seja, para responder à
profissionalização da política, à eternização dos lugares e à
fulanização da representação pública trabalhou-se e aprovou-se uma lei
que cria regras de limitação e rotatividade de mandatos.
Ganho esse debate e esse consenso na sociedade, esperava-se agora que
os partidos políticos levassem a lei para a prática política e
cumprissem o critério da rotatividade de mandatos, ou seja, não
candidatassem nas eleições autárquicas nenhuma pessoa que já tivesse
cumprido três mandatos consecutivos. A ideia era clara e as suas
intenções eram justas. Mas PS, PSD, CDS e PCP decidiram não cumprir a
lei e voltam agora a apresentar os seus candidatos dinossauros que
saltam de autarquia em autarquia para tentar contornar a lei.
Agora que era preciso provar que o consenso no parlamento se traduz na
prática política, o Bloco de Esquerda é o único partido que contínua a
defender o conteúdo e as intenções da lei aprovada no Parlamento. Por
uma questão democrática e de decência, o Bloco impugnará todas essas
candidaturas que não cumprem a lei. Para o Bloco a limitação de mandatos
nunca foi uma manobra parlamentar para dar ar de boa graça, nem muito
menos uma decisão forçada para não dar uma imagem de fechamento ao que
chamam “classe política”. Para o Bloco a limitação de mandatos foi
sempre uma escolha política clara e um compromisso com a democracia.
Dessa escolha e desse compromisso não estamos dispostos a abdicar por
nenhum motivo instrumental. É uma batalha democrática para levar a
sério, até às suas últimas consequências.
Levar a Democracia a sério é isto: defender integralmente o sentido
político da legislação que aprovamos e fazê-lo ainda com mais força
quando é a nós que nos tocam as leis, quando é a nós que a democracia
exige responsabilidade. É por isso triste de ver (mas não de aceitar)
que PS, PSD, CDS e PCP insistam em apresentar candidatos que já
exerceram três mandatos consecutivos em juntas e autarquias e que agora
são candidatos noutras autarquias e juntas vizinhas apenas para poderem
continuar nos cargos que ocupam. A política não é uma profissão. É uma
pena que nem todos pensem assim. É uma pena que estes partidos não
queiram levar a democracia a sério quando viram o parlamento aprovar uma
lei cujo objetivo era limitar o exercício de cargos públicos e agora se
aproveitam da suposta falta de clareza jurídica para, de forma nada
democrática, tentarem subverter o espírito da lei.
Muito se tem dito e escrito sobre a crise das instituições, dos
partidos e da representação política. A limitação de mandatos era neste
aspecto uma proposta intocável de resposta a essa crise. Permitia dar um
sinal à sociedade de que as instituições e os partidos não se querem
fechar sobre si mesmos em lógicas de perpetuação do poder e que, pelo
contrário, iriam fazer um esforço pela partilha de responsabilidade,
rotatividade na representação e maior controlo democrático sobre a
representação política. Assim, contribuíram para uma prática política
mais democrática, transparente e que prevenia muitas formas de compadrio
e corrupção.
Alguns escolheram não levar esta batalha a sério. Mas esta batalha
acabou de começar. A Democracia exige que a façamos e sobretudo que a
vençamos.
Sociólogo. Dirigente estudantil. Dirigente do Bloco de Esquerda
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