domingo, 4 de agosto de 2013

Medo de dirigir é superável




"Síndrome do carro na garagem" atinge sobretudo mulheres. Profissionais especializados tratam a amaxofobia.
Pisar no acelerador, trocar de marcha, dar seta, prestar atenção no veículo de trás e não deixar o motor morrer pode ser tarefa automática para milhões de pessoas diariamente, mas para outras é motivo de pânico. Entre o total de vítimas da chamada "síndrome do carro na garagem", 85% são mulheres, entre 30 e 45 anos, e 15% são homens, de acordo com pesquisa regida pela psicóloga Neuza Corassa, autora do livro "Vença o Medo de Dirigir", que já está em sua 13ª edição, e diretora do Centro de Psicologia Especializado em Medos (CPEM), em Curitiba.
Endossava essa porcentagem a bancária Jandira Amaral, 60, que só tomou coragem para dirigir 25 anos depois de receber sua carteira nacional de habilitação (CNH). Antes disso, a carteira era apenas um documento que servia como comprovante de identidade ou CPF. "Quando saí do exame, estava muito motivada. Mas, assim que peguei no volante fora da autoescola, só fui criticada pelo meu marido. Eu não tinha liberdade de conduzir do meu jeito, o que acabou gerando um bloqueio, como se nada do que eu fizesse fosse bom o suficiente", conta.
Esse, inclusive, é um dos perfis mais comuns entre as pessoas com medo de dirigir: confiáveis, organizadas, detalhistas, sensíveis, inteligentes e não muito abertas a críticas. "Gente com esses traços de personalidade não se permite errar. Mas a verdade é que dirigir é um aprendizado como falar, andar, ler e escrever, ou seja, é preciso praticar e respeitar seu próprio tempo. Vinte aulas não estão nem perto do mínimo para se ter domínio, é apenas o começo", ressalta Cecília Bellina, psicóloga especializada em comportamento motorista e dona da clínica e escola "Perca o Medo de Dirigir", em São Paulo.
É possível que os atingidos pela amaxofobia - esse é o nome técnico para o pavor de dirigir - tenham sido criados na época em que os automóveis eram relacionados à figura masculina ou sofrido algum grande trauma. "No entanto, esse é o menor grupo. O que foi constatado é que o trauma é apenas um aval para a pessoa continuar se encondendo atrás do medo e ser mais bem compreendida pela sociedade", alerta Neuza.
Como vencer o problema
Autoconhecimento e autocontrole são fundamentais. Permita-se errar e procure ser menos exigente, afinal, você está aprendendo.
Faça exercícios físicos ou relaxamento muscular para o corpo produzir endorfinas capazes de neutralizar a química da ansiedade, chamada noradrenalina.
Aproxime-se de seu carro dentro da garagem. Comece aos poucos: entre, ajuste o banco e familiarize-se.
Ainda dentro da garagem, ligue o automóvel e leve-o para a frente e para trás.
- Dê uma volta no quarteirão, de preferência em horários sem movimento e em ruas tranquilas. Quando perceber que a ansiedade durante o percurso é nula, ande por dois quarteirões e, então, pelo bairro.
Marque em sua agenda pelo menos duas vezes por semana para conduzir seu carro,como se fosse uma tarefa do dia a dia - até que se torne um hábito.
Quando se sentir mais confiante, inicie trajetos maiores. Imponha dez diferentes destinos em ordem crescente de dificuldade: padaria, supermercado, trabalho e assim por diante.
Não se assuste com a continuação de alguns sintomas, a exemplo de taquicardia, boca seca ou mãos trêmulas. Eles tendem a diminuir com o tempo e a prática.
Não prove nada a ninguém para evitar aumentar as expectativas e, consequentemente, a ansiedade.
Convide um amigo para acompanhá-lo apenas se ele for calmo e não privar sua liberdade como motorista.
Se o medo impede que você comece sozinho, peça ajuda a um profissional.

Fonoaudióloga travou depois de estancar carro várias vezes
O medo de dirigir veículos é mais comum do que se imagina, mas nem sempre os sintomas são relacionados a fobia, segundo João Bosco de Assis Rocha, psicólogo e professor aposentado da Universidade Federal do Pará (UFPA). Ele afirma que cerca de 95% das pessoas que buscam ajuda para dominar a dificuldade são mulheres, na faixa etária de 39 a 59 anos. A maioria das pessoas que tiveram o aprendizado facilitado de alguma forma tendem a desenvolver esse problema com mais frequência. Mas o machismo, o baixo poder econômico e traumas relacionados a acidentes de trânsito são outros fatores apontados pelo psicólogo.
Há pouco mais de um ano a fonoaudióloga Renata Freitas, 26, tirou a carteira nacional de habilitação (CNH). Como não possuia veículo próprio, às vezes dirigia os carros do pai ou dos irmãos. Ela conta que naquela época não tinha medo, só falta de prática. "Até que um dia fui levar uma amiga ao aeroporto e deixei o carro estancar várias vezes. Na hora, o nervosismo e a vergonha das pessoas que estavam olhando a cena me neutralizaram e parei de dirigir por meses. Fiquei insegura, tinha receio de provocar algum acidente ou mesmo passar por outros constrangimentos", conta. "No final do ano passado ganhei um carro, mas ele só ficava na garagem. Mesmo com muita vontade de dar umas voltinhas, sempre vinha um frio na barriga e o coração acelerava só de me imaginar no trânsito. Há quase dois meses a fonoaudióloga decidiu buscar ajuda especializada e recebe apoio psicológico em grupo e aulas práticas no trânsito.
Casos têm que ser vistos indivualmente, afirma psicólogo
João Bosco Rocha explica que essas dificuldades possuem vários níveis e que cada caso precisa ser avaliado individualmente. "No programa que coordeno já orientamos pessoas que necessitavam apenas de mais prática ao volante, então foram encaminhadas a instrutores. Por outro lado, grande parte das pessoas que nos procuram obtiveram aulas práticas com instrutor ou praticaram sozinhas, mas não foi o suficiente". O psicólogo destaca que na maior parte das vezes a insegurança é causada por falta de melhor aprendizagem, treino e avaliação.
A contadora Gilmara Oliveira, 33, lembra que tirou a carteira de habilitação há cinco anos e logo comprou o tão sonhado carro. Mas teve que deixá-lo na garagem de casa por um bom tempo, porque não conseguia dominar o medo. "Quando eu pegava no volante, batia uma insegurança enorme, eu tinha medo de bater nos outros carros e por isso não conseguia dirigir. Como a loja que eu trabalho fica na (rodovia) BR-316, quem dirigia para mim era uma prima ou um colega do trabalho. Com o tempo, fui dirigindo em ruas pequenas, mas só de pensar na BR já entrava em pânico", diz.
Gilmara não chegou a procurar assistência psicológica. Ela passou a observar uma senhora que ia todos os dias entregar comida para os funcionários na empresa onde trabalha, e que também tinha medo de ruas movimentadas. Mas ainda assim dirigia porque tinha força de vontade e precisava levar os alimentos. "Minha prima falava que eu precisava perder o medo, mas eu não conseguia. Foi quando conheci a dona Antônia. Pensei, se ela consegue, por que eu não posso conseguir também? Então comecei a encarar o meu medo e dirigir até o trabalho. Com o tempo eu fui superando e hoje dirijo até para outros municípios. Agora sei que é possível conseguir isso sozinha, basta que a pessoa tenha confiança em si mesma, se sinta segura e nunca pare de treinar", afirma.

Postado pelo o Jornal Amazônia
Edição de 04/08/2013

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