Texto: Mauro Tracco, de Barcelona | 27/03/2013 16h24
Os moralistas da Idade Moderna definiram uma hierarquia para os
pecados relacionados à luxúria. Do menos grave ao mais nefasto, a ordem
era a seguinte: simples fornicação, prostituição, estupro, adultério,
incesto, sacrilégio com um sacerdote, sacrilégio com uma monja e, por
último, o pecado que mais ofendia a Deus, a sodomia. O pecado contra
natura, ato sexual que não tinha como único fim a procriação, era
considerado uma afronta direta ao Criador. Apesar disso, muitos dos
monarcas que governaram amparados pelo Direito Divino foram adeptos do
mais proibido dos prazeres. Para o historiador Miguel Cabañas Agrela,
autor do livro Reyes Sodomitas, além de casos notórios, como o de Jaime I
da Inglaterra, existem vários documentos que sugerem que figuras como o
francês Luís XIII e Frederico II, da Prússia, também tiveram amores
masculinos.
O Renascimento tirou a humanidade da Idade das Trevas
ao recuperar referências culturais e artísticas da antiguidade
clássica. Paradoxalmente, “a Idade Moderna foi o período da história
ocidental em que a sexualidade em geral, e a homossexualidade em
particular, foram mais perseguidas pela Igreja e pelo Estado”, afirma
Cabañas. Na Idade Média o “pecado impronunciável” já era considerado um
vício atroz, mas as leis para punir quem desafiasse a suposta ordem
natural das coisas foram criadas só na Idade Moderna, quando a sodomia
passou a ser um crime contra o Estado. Assim como aconteceu com as
bruxas, o castigo era a fogueira, para purificar o que era tido como
maligno. Mas em tempos de monarcas absolutistas, quem tinha poder para
punir o rei? “Nenhum tribunal ousaria comprometer um rei por questões
referentes à sua vida privada. Não faltavam fofocas, mas as acusações
eram feitas na esfera privada”, diz Cabañas.
O historiador Matt
Cook, da Universidade de Londres, ressalta que nessa época não existia o
conceito de homossexualidade, que só surgiu no século 19. “Durante a
Renascença, muitos homens faziam sexo entre si, sem que isso fosse visto
como sinal de identidade diferenciada ou de uma subcultura. A maioria
mantinha relações íntimas também com mulheres.” Independentemente do que
acontecia entre as paredes dos aposentos reais, quase todos os monarcas
honraram sua principal obrigação em vida: casar e gerar descendência.
“Mas as relações homossexuais podiam ser usadas para minar o monarca”,
afirma Cook.
Em uma sociedade de corte, criar vínculos com figuras
do alto escalão era a principal estratégia de ascensão. E contar com o
afeto do rei era como ganhar na loteria. Alguns soberanos adotaram essa
política de promoção sem disfarçar o favorecimento a cortesãos jovens.
Guilherme III da Inglaterra (1650-1702) (Imagem: Wikemedia Commons)
Jaime I da Inglaterra (1566-1625) (Imagem: Wikemedia Commons)
Os "reis no armário"
Rainha Cristina da Suécia (1626-1689)
- O traço mais marcante da soberana foi a necessidade insaciável em
ser diferente. Suas peculiaridades sexuais faziam parte desse afã em se
distinguir dos demais. Culta e inquisitiva, Cristina usava roupas
masculinas e nunca quis se casar para não estar sujeita a nenhum homem.
Entre os muitos casos que teve estão um cardeal e uma bela cortesã
chamada Ebba Sparre.
Luis XIII da França (1601-1643) -
Não existem provas definitivas da preferência sexual de Luis XIII, que
aparentava mais ser assexuado do que homossexual. Apesar de sua
indiscutível retidão moral, era tímido e inseguro. Essa falta de
confiança o levava a buscar refúgio na companhia de homens com
personalidade forte. Ciente disso, o cardeal Richelieu tratou de
arranjar amizades masculinas que mantivessem o rei distraído enquanto
ele tomava as rédeas do governo francês.
Frederico II da Prússia (1712-1786) -
O rude Frederico Guilherme I se empenhou em transformar seu filho em
um líder viril. Mas os soldados designados para ensinar o herdeiro
acabaram tornando-se amigos muito mais próximos do que gostaria o pai.
Em tempos de paz, Frederico II quase não saía do Templo da Amizade,
palácio frequentado exclusivamente por homens. Exemplo de déspota
esclarecido, aboliu a pena de morte para delitos de sodomia.
Papa Júlio III (1487-1555)
- Escandalizou o mundo católico ao nomear cardeal o seu cuidador de
macacos, um jovem de 17 anos. Segundo relatos, a total falta de vocação
sacerdotal do garoto contrastava com seus óbvios atributos físicos. A
nomeação foi a forma encontrada por Júlio III para justificar a presença
de seu favorito dentro dos muros sagrados do Vaticano. As más línguas
chamavam o jovem cardeal de “o macaco do papa”.
Jaime I da Inglaterra (1566-1625) -
Quase nenhum historiador discute a homossexualidade de Jaime I. Aos 13
anos, teve um romance com seu tio, 24 anos mais velho. Idoso, preferia a
companhia de rapazes. Foi visto em público aos beijos e abraços com
outros homens e sobrepôs seus sentimentos aos interesses do reino.
Henrique III de Valois (1551-1589) -
Entrou para a história como o “rei dos mignons”, como era conhecido o
bando de atraentes jovens que estavam sempre ao seu lado. Fez questão de
desenhar o vestido e de pentear sua noiva no dia das bodas. Era
entusiasta do transformismo e sua corte ficou conhecida como a mais
refinada e libertina da Europa.
Guilherme III da Inglaterra (1650-1702) -
Criado pela avó, Guilherme de Orange teve ao longo da vida companheiros
inseparáveis. Desde a adolescência, manteve uma relação especial com o
nobre holandês Hans Bentinck. A amizade de 30 anos foi traída quando
Guilherme fez do jovem Arnold van Keppel, de 18 anos, seu novo favorito.
A revolta de Bentinck foi tão evidente que os fofoqueiros da corte não
tardaram em apelidá-lo de “velho cornudo”.
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