História Material: o estudo do uso das coisas no cotidiano explicando a história
Mais recentemente tive contato com uma
nova área de pesquisa histórica, denominada de história material e,
para muitos, um ramo sem qualquer importância porque se volta ao estudo
das coisas produzidas pela humanidade, mas não só isso, é também o
estudo dessas coisas em relação entre si e de todas elas em relação com o
homem.
Como entender a produção
industrial e as relações de trabalho sem tentar compreender a
importância e as relações das pessoas com as máquinas produzidas? É a
história material que vem nos socorrer e lançar luzes sobre o fazer
humano e as relações estabelecidas com as coisas. Nesse fazer-se humano,
fazemos objetos , domesticamos seus usos e eles também nos domesticam,
pois em função deles mudamos nossos hábitos.
Esse
ramo da história me levou a pensar na Polícia Militar e no processo que
vivenciamos nos últimos 20 anos, onde deixamos de utilizar alguns
utensílios que já nos parecem obsoletos e, na prática, já o são.
Inclusive, alguns deles enfrentamos a maior dificuldade em encontrá-los.
Ingressei
na PMPA, como Soldado, em 1994 e, naquela época, nossas provas eram
rodadas no mimeógrafo: um trambolho gigante, somente operado pelos mais
competentes sargentos que, também eram mecânicos da máquina. Tive a
satisfação de vê-la funcionando um dia, rodando as folhas de estêncil
datilografadas e imprimindo as provas.
Decidi,
então: serei sargento da PMPA!. Fui saber com alguns deles o que era
necessário para sê-lo: a resposta que me deram me impulsionou a fazer um
curso de datilografia, aos sábados à noite, e economizar para adquirir
uma máquina de escrever: olivetti letera 82, na cor verde e teclados
brancos, digo, teclas brancas. Aquela belezinha me acompanhou ainda por
vários anos, quando em 2000 tive que doá-la, pois não tínhamos em casa
espaço para aquela raridade.
Além
da falta de espaço, estava cada vez mais difícil comprar fitas e fazer
consertos na mesma, além, lógico da inoperância frente ao computador MMX
200 que tinha adquirido com uma impressora epson matricial, àquela
época (1998), os últimos lançamentos do mercado da informática.
Esse
é o período também que fazia o curso de história na UFPA e podia ver
que o Prof. Mecenas Pantoja estava atualizado com a modernidade, pois
possuía um telefone celular da motorola, com maleta e tudo. Dois anos
depois, pude comprar o meu NOKIA, mas já não tinha maleta e tinha ficado
bem menor, mas logo depois foi considerado um "tijolo".
O
bacana que eu demorei a me desfazer dele e encarar o Nokia 2610 b, uma
belezura que ainda está comigo e funciona bem, embora não tenha nada
daquilo que os celulares modernos possuem, mas um Nokia é um Nokia! Já
caiu em vala, cai praticamente todo dia e só solta a bateria e está
pronto para outra. É um celular operacional, pronto para tudo.
Outro
utensílio indispensável ao professor era o aparelho de retroprojetor,
que permitia as aulas mais atraentes aos alunos quebrando com a
monotonia do quadro negro e do giz. Difícil era escrever nas lâminas
sem errar e impedir que colassem umas nas outras. Com o advento da
informatização o retroprojetor tentou resistir bravamente, quando se
produziram folhas com uma goma para impressão em jato de tinta: pronto, o
problema estava resolvido!
Mas,
por pouco tempo. A entrada em cena dos "data-show" destronou de vez o
retroprojetor e nos lançou no mundo novo de planejarmos nossas aulas, ou
até gravá-las para exibi-las aos alunos. Foi o fim também do reinado de
outro equipamento que animava as aulas: o projetor de slides.
Isso é o futuro? Sim, mas não deve parar por aí, tornando-se difícil tentar prever o que virá pela frente.
Voltando
para o cotidiano policial militar, é o tempo do coturno de couro até o
meio da canela e, somente os Oficiais PM utilizavam os coturnos com lona
no cano. É o tempo do uso, na cavalaria da sela australiana com argola
para por a mão (chamado de Santo Antônio), do uso das estações de rádio
ssb no Comando Geral, do fuzil 762 no policiamento ostensivo, dos
pelotões de choque pelo interior do Estado do Pará, dos escudos de
policiamento de choque em ferro ou fibra, do combate à pirataria de
fitas k-7 e walkmans.
Esses
produtos marcam o final do século XX e início do XXI com a substituição
e delimitam, também, a visão de mundo daquela época, ainda utilizando
de equipamentos analógicos e a virtualidade estava em fitas magnéticas
que permitiam o armazenamento de poucos dados.
A
informática e a informatização vieram substituir padrões de uso, de
consumo e mudar a mentalidade dessa geração que acompanhou e que é
responsável e produto dessas mudanças e substituições.
As
resistências são grandes ainda ao uso das novas tecnologias no
policiamento e no cotidiano policial militar, principalmente pela falta
de conhecimentos acerca do que é ou não seguro. Vivemos num momento de
reinventar a polícia militar, de incorporar essa nova ótica virtual ao
policiamento ostensivo, de se apropriar das ferramentas da informática
para definir, medir e acompanhar os padrões de violência e
criminalidade.
Da mesma forma, é
necessário que a história de nossos objetos seja contada e contribua
para o entendimento da nossa realidade policial-militar, dos limites do
policiamento ostensivo a partir da limitação de recursos materiais e,
também, da limitação da visão de mundo a partir da limitação da
integração policial ao mundo desses objetos virtuais.
As
reflexões sobre a construção, o uso, a apropriação e a substituição dos
objetos pelos homem, no que se veio a chamar de história material
permitirá que não sejamos anacrônicos ou desconheçamos a construção e a
capacidade humana criativa a partir dos objetos.
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